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Mensagem do dr. Jorge Sampaio
Presidente da República Portuguesa
A história da presença judaica em Portugal está marcada, como acontece com
todas as histórias, por períodos de luz e de sombra. Graças à intensa
colaboração dos judeus na afirmação de Portugal, em domínios tão diversos como a
astronomia, a medicina, o comércio, as artes e os ofícios, as medidas
discriminatórias e os actos de intolerância, que culminaram na Expulsão, não
conseguiram impedir que persistissem, em Portugal, os sinais da cultura judaica,
os quais imprimem indelével marca à nossa identidade nacional.
Expulsos ou convertidos à força no século XVI, só a partir do século XIX
começaram a existir em Portugal condições para a reorganização da comunidade
judaica e para a existência de culto público mosaísta. Esta sinagoga, que foi
erigida nos começos do século XX, é, por isso, um símbolo de tolerância e de
reconciliação. Há precisamente cem anos era lançada a sua primeira pedra, É a
memória desse acontecimento que nos reúne nesta celebração. A minha presença
nela, em nome do Estado português, representa um testemunho de apreço pela vossa
comunidade e a reafirmação de que a nossa sociedade democrática é uma sociedade
aberta, pluralista, de paz cívica e religiosa.
Reconhecida como comunidade de diálogo e de convivência, a Comunidade Israelita
de Lisboa soube sempre que a fidelidade às suas tradições, raízes e
especificidades nunca poderia ser obstáculo à sua plena integração. A sua
inclinação ao entendimento interreligioso e interétnico merece também uma
palavra de apreço.
Os portugueses judeus contribuíram muito, em diferentes épocas, para o prestígio
e desenvolvimento do nosso país. Foram vários os judeus, de origem ou de
prática, que, no século XV, atingiram um alto nível de desenvolvimento humanista
e científico, notabilizando-se como verdadeiros homens do Renascimento,
pensadores, médicos, filósofos, geógrafos, viajantes e comerciantes. Homens de
grande apego à cultura da Renascença, com interesses que passavam pela
Literatura, pela Filosofia, pela História da Antiguidade Clássica, pelas Artes e
pela Ciência, cultivavam uma verdadeira atitude enciclopedista.
Muitos destes homens, como Leão Hebreu ou António Luís, Amato Lusitano e Garcia
de Orta, sofreram a censura e a perseguição da Inquisição. O Portugal livre e
democrático em que vivemos tem orgulho nestes homens sábios e perseguidos,
venera-lhes a memória e conhece as terríveis causas e as funestas consequências
dos seus sacrifícios.
Mesmo aqueles portugueses judeus que foram obrigados a sair mantiveram e
transmitiram a memória das suas origens portuguesas. Sabemos apreciar isso como
ninguém. Somos um povo de múltiplas diásporas e, ao mesmo tempo, uma terra de
acolhimento de diversas diásporas. A nossa vocação universalista reforçou-se
sempre nos períodos de tolerância e recuou sempre nos períodos de intolerância.
Nos primeiros, Portugal progrediu e afirmou-se, nos segundos, decaiu e negou-se.
A nossa História deverá ser entendida, vista e assumida integralmente no que
foi. Os actos de violência, intolerância, as perseguições, os preconceitos e o
fanatismo são, infelizmente, de todas as épocas, de todas as histórias, de todas
as nações, de todos os povos. É, por isso, permanente o dever de prevenirmos e
de combatermos esta tendência violenta e intolerante perante o Outro que está
presente na História humana.
Esclarecida pelas lições da História, a humanidade precisa de entender a época
actual, não como um tempo de conflito, agressão e violência, mas como um novo
tempo, em que se abram ao ser humano novas portas da esperança. Todos os homens
têm direito à dignidade, é esta a mensagem que devemos praticar e legar aos
vindouros.
Há cem anos nascia esta sinagoga sob essa evocação - Shaaré Tikvá. Estas são as
Portas da Esperança. Esperança numa sã convivência humana, esperança na total
aceitação da diferença, esperança na universalidade dos grandes valores,
esperança no respeito pelos direitos humanos, esperança na paz que se funda na
vontade de diálogo e na justiça. Esta é uma esperança que compete a todos os
povos realizar.
Nesta ocasião, quero saudar a Comunidade Judaica Portuguesa e todos os
descendentes da diáspora judaico-portuguesa. Saúdo, em particular, o dr. Samuel
Levy, presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, e todos os oradores e
oficiantes destas celebrações. Gostei muito de escutar o Jerusalem Cantors Choir.
A todos vós, desejo as maiores felicidades e faço votos para que os grandes
projectos deste centenário, como o restauro da Sinagoga e a criação do Museu
Hebraico de Lisboa, possam prosseguir com o maior êxito.
Esta Sinagoga é um local de culto e de encontro de uma comunidade, mas é também
um importante monumento do património cultural e religioso português. O futuro
Museu da Comunidade Israelita de Lisboa virá contribuir, estou certo, para a
preservação de uma história e de uma herança que todos ganharemos em conhecer
melhor, pois o conhecimento aproxima e gera entendimento.
Neste tempo incerto, em que tantas mudanças e tantos novos desafios nos
interpelam, a Humanidade procura os caminhos que nos conduzam à terra prometida
da globalização da dignidade. Esses caminhos foram buscados desde sempre pelos
homens e pelas mulheres , mil vezes procurados, mil vezes encontrados, mil vezes
perdidos. A grande exigência deste tempo é a de que, ao imenso desenvolvimento
científico, corresponda um progresso espiritual e moral. Essa é a condição de um
Mundo melhor, de um Mundo de liberdade, de solidariedade e de paz. Ninguém pode
ficar alheio a este apelo de futuro.
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