A presença judaica no Funchal, uma memória em desaparecimento
Em turismo na belíssima Ilha da Madeira, tive a ocasião de visitar o que resta
do cemitério judaico e o que foi a sinagoga, ambos no Funchal. A impressão com
que se fica é de uma profunda tristeza.
Da sinagoga apenas resta a fachada, ainda bonita, embora já ocupada em baixo por
um café e uma lavandaria, parecendo uma réplica, em pequeno, da sinagoga de
Lisboa. Parece ter sido construída de raiz, com fachada para a rua, e uma Magen
David incrustada numa das janelas, o que indica que terá sido edificada depois
da implantação da República. Mas isto é apenas uma suposição dado que não
encontrei nenhuma referência à construção da Sinagoga do Funchal.
Em muito pior estado se encontra o cemitério: apesar de nos terem dado uma
chave, a porta encontra-se arrombada, e o matagal selvagem cobre integralmente
as campas. Afastando com dificuldade as plantas, consegue-se ver alguns túmulos,
muitos deles quebrados e vandalizados. Situado no alto de uma colina, face ao
mar, uma parte da parede exterior ruiu com o terramoto de 1975, tendo
inclusivamente algumas campas caído no Oceano.
O cemitério data de 1851 e sabe-se que a escritura foi feita em 1950 por Judah
Allof e Isaac Esnaty, o primeiro originário de Londres e o segundo de Marrocos.
Um estudo elaborado por Rui Santos, afirma que o cemitério continha 38
sepulturas, 4 das quais desapareceram, provavelmente caídas ao mar. O último
enterro foi o da D. Joana Abudarham Câmara, realizado em 9 de Janeiro de 1976.
Ainda segundo o mesmo estudo, estão sepultados judeus originários de Inglaterra
e Gibraltar com nomes marroquinos, entre os quais avultam os Abudarham, de
França, da Síria, de Marrocos, e alguns alemães, vindos no princípio do século,
dedicando-se à indústria do vinho e dos bordados, e mais tarde nos anos trinta,
em fuga das perseguições nazis. O estado de desolação e de abandono do cemitério
é total, constituindo um insulto à memória das pessoas ali sepultadas.
É urgente fazer qualquer coisa antes que seja tarde de mais, em particular
alertando as autoridades madeirenses e possíveis descendentes para a necessidade
de restaurar e manter esse património antes que a memória dos judeus da Madeira
desapareça por completo.
Esther Mucznik
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