Entrevista com Samuel Levy

Presidente da CIL nos últimos anos, Samuel Levy é uma personalidade marcante da nossa Comunidade. Prestes a terminar seu mandato, não podíamos deixar de lhe prestar esta homenagem, convidando-o a partilhar connosco um pouco da experiência acumulada nos últimos tempos e de tentar conhecer a sua visão sobre o futuro da CIL.

P: A sua família foi das primeiras a estabelecer-se em Portugal. Pode-nos contar um pouco sobre o percurso dos seus familiares?

Os meus pais já nasceram em Portugal – o meu pai em Lisboa e a minha mãe em Faro. No entanto, foi percorrido um longo percurso pelos dois lados da minha família até chegarem aqui. Começando pelo meu lado paterno, família Levy: os antepassados do meu pai vieram de Gibraltar, os primeiros em 1807. O meu trisavô foi convidado por um almirante português para vir para cá, mas tinha que mudar o nome(porque a Inquisição não permitia a entrada de judeus) Ele chamava-se Moses Levy e foi imediatamente avisado que com um nome judeu não entraria em Portugal. Contudo, disse que ou entrava com o seu nome ou não vinha para cá. Manteve a sua ideia, bem firme, até que foi o próprio Príncipe Regente, futuro Rei D. João VI, quem deu autorização para que ele entrasse com o seu nome.
Recordo-me que me contaram que quando ele chegou todas as pessoas foram ver se ele realmente tinha cauda, como Judeu que era. Eram as crenças de então...
Quanto ao meu lado materno, família Sequerra, é uma família originariamente portuguesa mas que daqui foi fugindo por causa da Inquisição.
O meu 14º avô foi mesmo condenado e queimado pelo Tribunal do Santo Ofício, tendo o seu filho sido condenado às galés e obrigado a remar durante três anos e meio entre Lisboa e Angola. Este mesmo antepassado meu conseguiu, contudo, fugir para Hamburgo, onde usou outro nome, ficando a família pelo norte da Europa até ao século XIX. O destino seguinte foi Londres e aí um Sr. Sequerra casou com uma senhora pertencente a uma família judia de Gibraltar, onde acabou por viver durante algum tempo, até chegar a Faro. Os meus bisavós já viveram toda a sua vida naquela cidade algarvia.
Com a II Guerra Mundial, veio a dispersão da família.

P: Como foram os seus anos de juventude na Comunidade de Lisboa?

Eu vivi um período muito importante na CIL, o período da Guerra e os anos do pré nascimento do Estado de Israel, um momento que sempre vimos como um sonho impossível de ser realizado.
A juventude desses tempos era, em virtude de todo esse momento histórico, uma juventude muito sionista e muito activa. Tivemos, nesses tempos, uma formação bastante judaica, marcada por nomes como o do Rabino Diesendruk, que é uma referência para todos nós.
Eu fui mesmo Presidente do Centro Israelita aos 25 anos. Era na altura um rebelde e quis fazer um jardim de infância mesmo contra a vontade da Comunidade. Após muito custo, lá conseguimos.
Entretanto casei e apesar de continuar muito activo e participar nas Direcções da Comunidade, fui abandonando um pouco a minha actividade nas instituições judaicas.

A seguir ao 25 de Abril, no entanto, acabei por passar vinte anos fora do país e quando regressei senti que tinha o dever de colaborar para que a CIL voltasse a ter uma vida judaica muito activa.

P: Foi Presidente da CIL nos últimos anos. O que acha que a CIL deve fazer no futuro e quais devem ser as prioridades das futuras Direcções?

Eu acho que a CIL deve promover os valores judaicos culturais e religiosos e a sua ligação com Israel. Acho que, acima de tudo, a CIL deve assegurar que as próximas gerações sejam Judias - mas não só a próxima geração; também as próximas duas, três, quatro, até sempre. A CIL deve criar as condições para que isto aconteça.
Em nome deste objectivo não nos podemos esquecer que o Judaísmo não se pode desligar do aspecto religioso e dos princípios da Torah. Lembrando uma frase sempre repetida no Movimento Mizrahi: a Terra de Israel sem Torah é como um corpo sem alma. Por outro lado, também temos que ter consciência que a religião tem que ser completada pela cultura, pelo estudo da História do nosso povo. Sem conhecer a nossa História, podemos correr o risco de a ver repetir-se; sem conhecer o nosso passado, ficamos sem presente e sem futuro.
A minha ambição máxima é que a CIL consiga preservar o Judaísmo entre os Judeus de Lisboa. Eu vi a extinção de muitas famílias judias de Lisboa, que abandonaram o Judaísmo, e não quero que isso continue a acontecer.
As Direcções da CIL devem conservar e acarinhar a herança da própria Comunidade, mantendo acesos os valores do Judaísmo.

P: Qual seria o primeiro conselho que daria à próxima Direcção da CIL

O meu conselho seria o de a próxima Direcção centralizar esforços no sentido de preservar a herança judaica e conseguir dar uma vivência cada vez mais repleta de Judaísmo a todos os membros da CIL, de forma a permitir a continuidade da própria Comunidade como uma comunidade judaica viva e em movimento.


Entrevista conduzida por
Diana Ettner

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