O 5º Centenário do Mosteiro dos Jerónimos e os Judeus
Publicamos com a autorização do autor, um interessante artigo que o nosso
amigo Inácio Steinhardt enviou para a LUSA, sobre o 5º Centenário do Mosteiro
dos Jerónimos.
A história do Mosteiro dos Jerónimos, cujo 5º Centenário é o tema das
comemorações, que se encerraram no passado 8 de Outubro, está intimamente ligada
à história dos judeus em Portugal.
O falecido historiador israelita, Elias Lipiner, Comendador da Ordem de
Mérito, a título póstumo, explica e documenta, na sua obra "Two Portuguese
Exiles in Castile (Jerusalém,1997) as circunstâncias em que a Sinagoga Grande de
Lisboa, construída em 1306-7, por ordem do Arrabi-Mor, Dom Judah, foi entregue
aos frades da ordem de Cristo, em troca da capela de Santa Maria de Belém, na
praia do Restelo. Desejoso de construir um mosteiro monumental, junto à praia de
onde haviam partido as caravelas para os Descobrimentos, D. Manuel I, o
Venturoso, ofereceu aos frades, em troca do terreno, a antiga "esnoga dos
Judeus", sita no que antes fora a Judiaria Grande de Lisboa.
Após o decreto de expulsão de 1496 e a conversão forçada de todos os judeus
em 1497, estes foram despojados do seu antigo templo, e a área da Judiaria
passou a chamar-se Vila Nova. Juntamente com o edifício da sinagoga - cuja
adaptação para igreja cristã foi autorizada pelo Papa, segundo relata Damião de
Góis, na Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel - o monarca concedeu aos frades
uma renda de 50 mil reais, pelas casas situadas dentro da referida Vila Nova.
Entre essas casas situava-se uma casa nobre, que havia pertencido à família do
judeu David Negro, a qual se refere Frei Joseph Pereira de Santa Anna, na sua
"Crónica dos Carmelitas".
A Sinagoga Grande de Lisboa, deveria ter sido um edifício sumptuoso para a
época, pois constituía uma atracção turística importante. O viajante alemão
Jerónimo Muenzer, que visitou Lisboa em 1494, pouco antes da supressão do
Judaísmo em Portugal, refere-se ao seu interior, "decorado com extrema beleza,
com um púlpito para os sermões, semelhante aos das mesquitas e dez enormes
candelabros com 50 ou 60 lâmpadas cada um, além dos outros". O edifício foi
então purificado e reestruturado, para ser transformado na Igreja de Nossa
Senhora da Conceição, que se situava, antes do terramoto de 1755, segundo Samuel
Schwarz e Augusto Vieira da Silva, na antiga Rua da Princesa (hoje Rua dos
Fanqueiros), na esquina com a Rua dos Mercadores, a meia distância entre as
actuais Ruas de S. Nicolau e da Conceição. Na voz do povo, em 1755, a igreja era
chamada a Conceição Velha, para a distinguir da Conceição Nova, situada na então
Rua Nova dos Ferros. A Igreja da Conceição Velha não foi incluida no plano
pombalino de reconstrução da Baixa lisboeta, depois do terramoto. Em vez disso,
o rei D. José deu aos frades o sítio da sumptuosa igreja da Misericórdia, na
actual Rua da Alfândega, que também havia sido destruída pelo sismo. Aí foi
construída a igreja, que ainda hoje existe, e que também ficou a ser conhecida
por Conceição Velha. Talvez por isso, Alexandre Herculano e outros autores
identificaram, por engano, a igreja da Rua da Alfândega com a Sinagoga Grande de
Lisboa. Outros autores, como Vilhena Barbosa, Faria e Silva, Vieira da Silva e
Samuel Schwarz desfizeram a confusão. Isso não impede que alguns guias
turísticos ainda apontem para a ombreira da porta da Conceição Velha, na Rua da
Alfândega, mostrando aos visitantes judeus, o que lhes parece ter sido o lugar
da "mezuzá" judaica, uma caixa contendo um rolo de pergaminho com dois textos
bíblicos. De qualquer modo, os turistas já não podem visitar o lugar do último
templo judaico de Lisboa. Nem o sumptuoso Mosteiro dos Jerónimos, de visita
obrigatória, que agora comemorou o 5º centenário da sua construção, é
habitualmente relacionado com a expropriação da sinagoga, para substituir a
capela de Santa Maria de Belém.
Inácio Steinhardt
Apenas um pensamento
"Estranho povo, os europeus", costumava gracejar o meu avô materno. Quando
eu abandonei a Europa em 1937, havia grafitis nos muros dizendo "Judeus vão para
a Palestina!" E agora quando visito uma capital europeia, vejo grafitis a
dizerem: "Judeus fora da Palestina!". Decididamente, não têm memória, os
europeus!
(transmitido pelo nosso amigo Moshe Medina,
Presidente da Comunidade Israelita do Porto)