Rostos da CIL
Entrevista com Daniel Blaufuks, conduzida por
Diana Ettner
P: Nasceu em Lisboa mas viveu na Alemanha durante muito tempo. A que se deveu a
sua ida para terras alemãs e como foi para si viver num país tão diferente de
Portugal?
Eu nasci em Lisboa, em 1963 e aqui vivi até aos doze anos. Nessa altura, com o
25 de Abril, as coisas complicaram-se. Eu quase não tinha aulas, havia problemas
de emprego e por isso foi tomada a decisão familiar de partir. Fomos para
Frankfurt, na Alemanha e aí fiz todo o liceu e iniciei-me em estudos de gestão.A
Alemanha é, realmente, um país muito diferente de Portugal. Não é um país
simpático e, na verdade, nunca me consegui abstrair do facto de ser o país de
onde os meus avós fugiram! Tenho a impressão que sempre que a minha mãe falava
com pessoas com mais de sessenta anos, perguntava-se a si própria o que elas
teriam feito durante a II Guerra Mundial. Passaram-se alguns anos e com vinte,
vinte e um anos, resolvi voltar para Lisboa. Os meus avós viviam aqui e eu
decidi regressar, sozinho. Fui trabalhar com o meu avô, que se dedicava a um
negócio de importação de aço. Trabalhei algum tempo com ele e depois ainda
estive algum tempo no Porto, a trabalhar com bombas hidráulicas. Depois, foi a
vez da fotografia...
P: Como foi a sua relação com a CIL durante os anos que aqui passou? Sentiu
grandes mudanças depois de ter regressado?
Até eu ir para a Alemanha, tinha uma relação forte com a Comunidade. Frequentava
as actividades todos os fins de semana e convivia muito com os jovens da minha
idade, mesmo fora do circuito judaico. A minha família, no entanto, não era
muito religiosa, apesar de eu ter sempre guardado a imagem do meu avô sentado no
seu lugar na Sinagoga. Com a minha ida para a Alemanha, naturalmente, essa
relação forte perdeu-se um pouco. Deixei de ter relação com as pessoas daqui e,
ainda por cima, numa altura muito importante da minha vida, coincidente com o
fim da infância e o início da juventude. Na Alemanha, ainda assim, tive alguma
relação com comunidades judaicas, embora nunca muito forte. A comunidade alemã é
bastante fechada e um pouco preconceituosa e nunca me senti muito bem. Acabámos
por começar a frequentar uma Sinagoga americana, bastante mais informal e aí
tive mais contacto com o mundo judaico.
P: Como surgiu a paixão pela fotografia?
Acho que essa paixão sempre existiu... Sempre me quis dedicar à fotografia, foi
sempre isso que eu quis fazer mas acabei por ser levado a fazer outras coisas
por força das circunstâncias. Para mais, a minha família nunca teve nada a ver
com estas áreas, o que dificultou o assumir desta paixão. Na verdade, o que eu
mais queria era cinema... A opção pela fotografia em detrimento do cinema acabou
por se dever sobretudo ao facto de a fotografia permitir traçar um percurso
sozinho. Não exige tanto dinheiro como o cinema, o que permite que não se esteja
economicamente tão dependente
P: Falemos um pouco da sua obra. Sente que, de alguma forma, os valores judaicos
atravessam os seus trabalhos?
Sinto, sem dúvida! Sobretudo o facto de os meus avós terem sido perseguidos e de
terem sido forçados ao exílio. Acho que isso atravessa a maior parte das coisas
que faço. O meu trabalho é feito sobretudo através de errâncias e viagens, de
uma constante procura e isso vem do Judaísmo. Nunca me esqueço de uma ideia que
o meu avô me passou quanto à definição de Judaísmo. Ele disse-me que as crianças
judias, quando fazem uma pergunta, recebem sempre uma resposta. Acho que o
Judaísmo passa muito por aí, pela educação e não tanto pela religião; por uma
educação comum.
P: Como homem ligado à arte e a cultura, sente que a preservação do património
cultural da CIL é importante?
Sinto que é muito importante! A cultura é o que cria a identidade e sem
identidade as pessoas perdem-se. Acho, por isso, que se deve investir na
preservação do património cultural da nossa Comunidade e, depois, na sua
divulgação, seja através de filmes, de exposições, de livros ou de discussões
conjuntas. E, claro, há que apostar na criação de espaços próprios para tudo
isso. No fim, o que fica é a cultura...
Acho também que é muito importante mostrar a cultura judaica ao mundo não
judaico. Essa é, na verdade, a única forma de deitar abaixo os preconceitos e de
não fechar as nossas portas.
P: Como define a sua ligação com Israel...
Eu sigo com muito interesse as notícias e tenho a convicção que Israel é mais do
que necessário e cada vez mais necessário. Mas não tenho uma ligação cega com
Israel. O que eu quero dizer é que Israel é muito importante para o Judaísmo,
mas que temos que separar as duas coisas. Se nós não as separamos, os
terroristas também não o farão. Acho que não devemos estar assim tão ligados à
política israelita e acho mesmo que esta colagem pode ser perigosa. Afinal, nós,
judeus na Diáspora, não votamos em Israel e, decerto, não estamos todos de
acordo, como também não o estamos em relação à política em Portugal.. Mas Israel
é, sem dúvida, uma necessidade e, mais do que isso, uma certeza.
P: Realizou um filme, Sob Céus Estranhos, em homenagem ao seu avô, Herbert
August. Como surgiu a ideia de fazer este filme?
A ideia de construir este filme surgiu porque achei que esta era uma história
que devia ser contada. E não havia ninguém que a pudesse contar desta
forma...Este é, por tudo o que o envolve e por tudo o que ele relata, um filme
subjectivo. Mas a sua história deve ser contada objectivamente, mas não por mim;
terão que ser outros... O filme faz parte de uma História que é comum e que não
pertence só ao Judaísmo mas a toda a História de Portugal! Por isso, acho
importante que seja também mostrado a não Judeus, até para ajudar no esforço de
abertura e de apresentação da cultura judaica ao mundo! A reacção ao filme tem
sido boa mas é engraçado ver que, em geral, os portugueses têm uma certa
dificuldade em identificar-se com o que vêem. A cultura portuguesa não se revê
facilmente em histórias de famílias separadas por vários países, de pessoas
obrigadas a sair dos seus lares. Em Portugal nunca se sentiu essa realidade. Se
não formos nós, Judeus, a acarinhar estes projectos, eles não existem e sem
cultura não há futuro.