O PURIM QUE NÓS VIVEMOS...
Cada época tem a sua beleza. Purim é daquelas festas judaicas que mais
alegrias me trouxe, como criança e como jovem. Não posso esquecer a excitação
que se apoderava de nós quando aguardávamos, impacientemente, a chegada de uma
mala da casa da minha avó e das minhas tias (que moravam em frente de nós)
pejada de presentes. A abertura dos pacotes era uma ocasião de felicidade
indescritível...
A aproximação de Purim era assinalada por se cantar na
sinagoga nos primeiros sábados de Adar, à noite, na Abdalá, o versículo da
Meguilah de Esther “Laiehudim haitá orá vê-simhah vê-sasson vikar” e em
espanhol, “ A los judios fué Luz y Alegria, Gozos y Honras”. Na noite de Purim,
a Arbit com a leitura da Meguilah na Sinagoga era um acontecimento. Para a
miudagem, a pândega máxima era bater com os pés no chão ou com paus na
carteira sempre que se pronunciava o nome de Haman e dos seus filhos, tal como
se faz hoje. Detestei e detesto esse costume, mas não há dúvida que deve ter
libertado muitas energias mal contidas.
Em Tefilah, tal como em Arbit,
lia-se, como hoje, a Meguilah. Era uma ocasião para encher a sinagoga com
gente de todas as idades. Talvez as bandeirinhas, os rebuçados e.. porque não,
o sapateado eram as atracções da miudagem.
É costume passar uma taça para
recolher os donativos para as várias instituições; a principal, a de Mahassit
Hashekel , tem valor fixo, pagável pelos homens com mais de 13 anos. É uma
remniscência bíblica do pagamento do Shekel que servia para fazer a contagem
indirecta dos homens válidos do povo judeu.
Esta taça de Mahassit Hashekel
tambem era levada às casas particulares por equipes de voluntários, jovens e
não só (no meu tempo, liderados pelo saudoso Sr. Semtob Querub) que aí
completavam a cobrança aos que não tinham estado presentes na sinagoga. Estas
equipes eram recebidas nas diversas casas particulares e nos escritórios com
muita deferência. Era-lhes oferecido doces, licores, etc e cada membro trazia
um ou mais sacos de veludo (de tefilin) em que se recolhiam, também, donativos
para outras instituições da Comunidade (Anyim, Guemilut Hassadim, Ozer Dalim,
Cemitério, etc).
Além destes grupos, foram organizados outros que
incorporavam, sobretudo, senhoras e jovens de ambos os sexos, para a recolha
de donativos para Somej Nophlim, Hospital Israelita e Cozinha Económica,
instituições autónomas que não estavam na dependência da Comunidade.
Nos
anos 60 ainda se organizavam estas recolhas de fundos,com muito êxito. Havia 4
ou 5 carros com 3 a 4 pessoas cada um que cobriam as diversas áreas da cidade.
Recordo o episódio de o Leão Gabriel Esaguy, ilustre médico, nessa altura no
1º ano de Medicina ter chegado tarde ao ponto de partida (sinagoga) porque
tinha tido uma operação de .... um cão.
As famílias tinham por hábito mandar
bolos e doces umas às outras . Algumas mandavam-nos fazer a indústrias
caseiras da nossa Comunidade, e eram uma delícia. Nesse dia era, também,
hábito, dar esmolas a numerosos grupos de pessoas necessitadas que vinham às
casas, às vezes com cartões de Bom Purim em nome de pessoas já desaparecidas.
Houve um ano em que eu não vivi Purim . Estava em Jerusalém onde Purim se
celebra em 15 de Adar. Em 14 de Adar, Purim no resto mundo, viajei para Lisboa
onde já cheguei depois do pôr do sol.
É Mitsvah fazer uma refeição antes do
pôr do Sol – seudat Purim. Lembro-me que, na minha casa o tínhamos de fazer à
pressa porque nessa noite era a Nahalah do Sr. Isaac Levy, falecido em 1939,
que foi o 1º Presidente do Comité da Comunidade e Parnás da Sinagoga (era
filho de Abraham E.Levy que presidiu à cerimónia da 1ª pedra) e era difícil
arranjar Minian.
Last but not the least: os animados bailes e festas de
Purim com máscaras ou não, mas, sobretudo, a indispensável representação,
sempre diferente em cada ano, da história da rainha Esther. Ensaiados quase
sempre pelo Samito Levy, recordo um ano em que a peça em que eu fui
Ahashverosh não se falava: foi só por mímica. Arranjaram-se sempre fantásticos
trajos. E era um carnaval.
Samuel Levy