Israel em foco

SHINUI – GUERRA AOS FUNDAMENTALISTAS



Ainda a propósito dos resultados das eleições de Janeiro e do Shinui, surge-nos um tema politico-social de suma importância, que consideramos merecedor de algum esclarecimento e análise. Suplantando quase a importância da incontestável vitória do Likud (38 lugares na Knesset), os 15 novos membros eleitos pelo Shinui (palavra que, simbolicamente, significa “mudança”, em português) podem fazer toda a diferença, ao sinalizarem uma tendência interna da sociedade israeliana.

Liderado por Yosef “Tommy” Lapid, o mediático ex-editor do conhecido diário “Maariv”, o partido defende algumas posições com que facilmente nos identificaríamos, referentes ao problema palestiniano e ao processo de paz no Médio Oriente, à liberalização da economia, ao acesso à saúde e à educação, aos direitos e liberdades de vários grupos sociais e não só. Se o leitor desejar, recomendamos que as consulte em detalhe na internet (www.shinui.org.il).

Mas há uma bandeira ideológica que Lapid ergue mais alto do que todas, fazendo eco do sentimento de uma “maioria secular e silenciosa” da sociedade israeliana, e que lhe garantiria a maioria absoluta, caso este fosse o único tema em debate: o combate sem tréguas à opressão e ao fanatismo religioso em Israel. O Shinui declara “guerra” à coerção imposta ao país desde 1948 por sucessivas coligações governamentais com certos partidos religiosos e defende um estado secular, judaico e sionista, aberto ao pluralismo de ideias e opiniões. A tentativa do “establishment” ultra ortodoxo de transformar Israel num estado dominado pela Halachá (as leis religiosas judaicas) põe em causa o futuro do país e é um factor limitador das liberdades essenciais inerentes à própria democracia.

“Há em Israel forças fanáticas – diz Tommy Lapid n’“A mudança”, o jornal do seu partido – que em nome do nosso Deus tentam travar o nosso progresso e o liberalismo...”. E a verdade é que essas forças tendem a aumentar: 300.000 estudantes ultra ortodoxos não cumprem serviço militar e não trabalham – apenas estudam em Yeshivot; comem, bebem, casam-se e reproduzem-se em grandes famílias de sete e oito crianças, à custa de subsídios estatais e, portanto, dos contribuintes israelianos. E são todos eleitores e elegíveis.

O Shinui propõe investir grande parte desse esforço económico na melhoria de infra estruturas, na saúde, na educação, na ciência, etc., de forma a beneficiar todos de uma forma mais justa. Além disso, insiste na necessidade de acabar com os regimes especiais de isenção para os ultra religiosos, nomeadamente a isenção de serviço militar; na legislação de uma Lei Base de Liberdade Religiosa e na limitação dos poderes dos tribunais rabínicos, nomeadamente no que diz respeito à legislação matrimonial (actualmente, em Israel não existem sequer casamentos civis, mas apenas religiosos).

A Lei do Retorno é uma das pedras fundamentais de Israel mas o partido entende que por fim à “perseguição” aos casais “mistos” (judeu com não judeu) de emigrantes de países da ex- U.R.S.S. e não só, abrindo as portas à emigração de judeus de todo o mundo, é indispensável para fazer face ao problema demográfico que o acelerado crescimento da população árabe de Israel está a causar. Por outro lado, no que diz respeito à Diáspora judaica, o Shinui defende um maior investimento nos elos da juventude com Israel e um tratamento mais igualador de todas as correntes religiosas, incluindo as reformistas, ultrapassando o “fosso” de comunicação que os ultra ortodoxos cavaram em torno de algumas delas.

Israel é, sem dúvida, um Estado Judaico, mas nós também pensamos que, na administração do país, há que separar o estado da religião. Sob pena de, um dia, o conflito das opiniões se agravar tanto ao ponto de prejudicar a própria unidade da população e o denominador comum entre os moderados (religiosos ou não) e os “fundamentalistas” deixar de existir.

Por GABRIEL STEINHARDT

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