Rostos da CIL
Entrevista com Estrella Assayag
A viver em Portugal há cerca de sete anos, Estrella Asayag, a nossa “Estrellita”,
é parte da família. Num mês de grandes eventos da CIL, resolvemos entrevistá-la
até porque a verdade é que, sem ela, nada teria realmente acontecido...
P: Comecemos por onde começam todas as entrevistas. Fale-nos um pouco do seu
percurso até chegar a Lisboa.
Eu nasci em Marrocos, onde vivi até aos seis anos. Nessa altura, mudei-me com a
minha família para Andorra, onde ficámos durante dois anos. O destino seguinte
foi Paris. Em Paris fiz toda a escola primária, o liceu e comecei a trabalhar.
Acabei por não acabar a Faculdade para me casar. O casamento não foi na
Sinagoga, o que foi um pouco difícil para a minha família, no início, aceitar,
sobretudo para a minha mãe.
Entretanto, nasceu o Charles...
P: Como era a vida judaica em Paris. Fazia parte de alguma Comunidade?
Eu não pertencia a nenhuma comunidade judaica em especial. A verdade, no
entanto, é que, em Paris, mesmo que não se faça parte de uma comunidade
específica, faz-se parte de uma grande comunidade judaica no dia a dia ! É tudo
muito diferente do que se passa em Lisboa, onde existe uma grande necessidade da
Comunidade para manter a identidade.
Os meus pais deram-me uma forte educação judaica, baseada sobretudo na cultura e
nas tradições, sefarditas, claro... Fazíamos as festas todas em família. Na
altura em que me casei, no entanto, a verdade é que a vida judaica deixou de ser
a coisa principal. Depois aconteceram algumas coisas na minha vida e eu acabei
por me reaproximar do Judaísmo. Foi sobretudo com o nascimento do Charles que eu
me reaproximei da minha família e do Judaísmo. Entretanto separei-me do meu
marido, conheci o Zé Salomão e acabei por vir para Lisboa.
P: Como foi a sua chegada a Lisboa?
Eu vim para Lisboa em 1996. O acolhimento foi muito bom e embora não tivesse a
minha família aqui, a família do Zé Salomão acabou por desempenhar esse papel. E
depois, algumas pessoas da Comunidade acabaram por se tornar a minha família,
uma segunda família.
Quanto à vida judaica, eu de início achava que ia ser bom para o Charles viver
aqui, visto que era uma comunidade pequena onde havia necessariamente que
trabalhar pela manutenção da identidade. No entanto, aqui é muito complicado...
Não há apoio, não há meios humanos, meios educacionais. Falta também a presença
do “rabino confidente”, aquele a quem se recorre antes de tudo, antes de
qualquer problema, de entrar em qualquer litígio. Isso acho que faz muita falta
aqui. A verdade, no entanto, é que apesar desta falta de estrutura e apoio, o
meu grupo de amigos é constituído praticamente só por Judeus. Os poucos que
existem, tentam verdadeiramente manter a identidade e estar juntos.
P: Sente muitas diferenças entre ser Judeu em Paris e em Lisboa? Por exemplo,
a nível de anti-semitismo, de manutenção da identidade judaica.
Por um lado, sinto que em França, onde a Comunidade Judaica é tão grande,
ninguém questiona nada, vive-se o Judaísmo. Aqui, onde somos tão poucos, a
necessidade de preservar a identidade, faz com que essa mesma identidade seja
despertada e se pense sobre ela. Devíamos era tentar potenciar esse espírito da
identidade e fazer com que ele ajudasse a fazer crescer a CIL !
Quanto ao anti-semitismo, por outro lado, sinto que aqui existe um certo
anti-semitismo escondido, existe alguma coisa que me incomoda no contacto com as
pessoas. As pessoas parecem amigas dos Judeus, mas não sei se isso é verdade ou
não. Em França por outro lado, sinto que os Judeus estão a começar a ter um
pouco de medo e a sentir-se inseguros. Antes, havia Judeus em todo o lado.
Agora, onde havia um jornalista Judeu, existe um árabe; onde havia um cantor
Judeu, há um árabe; em qualquer área de actividade, onde havia um Judeu há um
árabe. Os árabes hoje conseguem expressar-se com mais liberdade apoveitando-se
dos meios que hoje possuem e os Judeus estão a começar a sentir um pouco de medo
e mal estar.
P: Como é a sua relação com Israel?
É engraçado que não tenho um sentimento muito forte com relação a Israel. Já
estive lá, mas não sinto uma ligação tão forte. A minha ligação é mais com o
Judaísmo puro.
P: Trabalha na CIL. Consegue fazer o distanciamento entre a CIL enquanto a
nossa comunidade judaica e a CIL enquanto local de trabalho?
Para mim, na verdade, a CIL não é o meu local de trabalho. Quando vou trabalhar,
sinto que vou dar o meu contributo para a CIL, que é de todos nós, que vou
tentar ajudar. Não encaro como se fosse trabalhar para um escritório qualquer.
Não é a mesma coisa.
P: No passado dia 27 de Fevereiro tivemos a presença do Keren Hayesod em
Portugal, com um belíssimo evento. Como foi a organização dessa noite?
Muito trabalho! Mas as coisas correram tão bem que eu já nem me lembro disso.
Tenho uma grande satisfação em ver as coisas quando elas correm bem que nem me
lembro, depois, do trabalho que dá para organizá-las.
P: Por falar em organização de eventos, qual dos que ajudou a organizar lhe
deu mais satisfação?
A Summer University da EUJS em 1997, claro! Decorreu em Évora, em Agosto e
apesar de ter dado um trabalho enorme organizar a vinda e estadia de trezentos
estudantes, acabou por correr tudo tão bem que a satisfação foi enorme. Gostei
sobretudo de ver como as pessoas que vieram de fora se divertiram e gostaram de
aqui estar. Aliás, não me importava de voltar a organizar outra, ou um evento do
género.
P: Quais são os seus votos para a CIL? Quais acha que são as grandes
prioridades do momento?
Como mãe, a grande prioridade do momento é a educação judaica. Acho que o
trabalho do Marcos Prist com a juventude está a ser muito importante. Este
trabalho seria mais completo com a colaboração de um educador religioso.
Entrevista conduzida por Diana Ettner