Rostos da CIL
Entrevista com Gaby Goldschmidt Ferreira
Recém eleita Presidente do Somech Nophlim, Gaby Goldschmidt Ferreira é dona
de uma inesgotável vontade de fazer coisas novas e de ajudar os outros. Numa
altura em que poucos dias passaram desde a sua eleição, não poderíamos deixar
de fazer esta entrevista e de revelar um pouco dos sonhos que Gaby acalenta
para o relançamento deste projecto.
P: Fazendo um pequeno recuo no tempo, gostaríamos que nos contasse como foi
a sua infância e como foi o seu percurso até chegar a Portugal.
Eu nasci no Sudoeste Africano, na região que é hoje chamada Namíbia.
Nessa altura, os meus pais estavam sediados em Luanda, para onde o meu pai
tinha ido trabalhar com o seu tio, representante em Angola dos produtos da
Philipps. Querendo trabalhar de uma forma mais independente, o meu pai acabou,
tempos depois, por conseguir a representação para Angola de famosas marcas
alemãs. No entanto, quando já tinha tudo preparado para iniciar o negócio,
surgiram as leis alemãs a proibir os Judeus de vender os seus produtos.
Entretanto e em virtude disto, o meu pai acabou por transformar a casa onde
vivia num Hotel, surgindo o Hotel Atlantic Palace. Para a região foi uma
sensação, até porque era um dos únicos edifícios na zona a ter água corrente.
Eu acabei por vir para Portugal em 1948, tendo o meu pai regressado
definitivamente em 1950. Faleceu, porém, pouco depois, em 1951.
P: Como era a vida judaica em Lisboa nessa altura?
Eu comecei a frequentar as actividades da CIL e a Sinagoga desde os tempos em
que voltei. Fazia parte do grupo Hehaver e a verdade é que vivi uma época
espectacular da CIL!
O Rabino Disendruk estava nessa altura aqui e todos os sábados havia aulas no
Centro. Era muito divertido e ríamos muito! Jogávamos ping pong, havia festas
no Centro, recitais de Purim. Foi uma época gloriosa da juventude judaica em
Portugal.
A certa altura, no entanto, afastei-me um pouco. Fiz o liceu, tirei o curso de
Filologia Germânica na Faculdade de Letras e, um mês depois de me formar,
casei.
Entretanto nasceu o Luís, o meu filho mais velho e três anos e meio depois a
Vera.
P: Entretanto foi para o Brasil...
Fui para o Brasil por alturas do 25 de Abril, embora a decisão de partir para
lá não tenha tido a ver com a Revolução.
Na verdade, por razões de trabalho, acabou por ser nessa altura dada ao meu
marido a opção de para o México ou para o Brasil, como director de pessoal da
empresa onde trabalhava. Por factores que se prenderam com a língua e com a
natural afinidade que sentimos com o Brasil, acabámos por optar por ir para
São Paulo, onde vivemos durante cerca de sete anos.
Os meus filhos frequentaram a Escola Americana de São Paulo, uma escola muito
boa e acabámos por voltar para Lisboa muito por vontade deles e sobretudo por
razões de segurança. Eles vinham passar todos os Verões a Portugal e aqui
podiam andar sozinhos e com os amigos pelas ruas, ir para todo o lado. Em São
Paulo, era totalmente diferente e eles não podiam ir para lado nenhum sem nós.
P: Gostou de viver no Brasil?
Gostei muito. Eu tinha formação na área comportamental, na vertente
transaccional, sobretudo em sede organizacional e acabei por percorrer o
Brasil inteiro a dar cursos através de uma firma brasileira, Lang e Brimberg &
Consultores Associados, que dava muitos cursos com a Caixa Económica Federal.
Fui a todos os cantos do país, do sul ao norte, do litoral ao interior.
Na comunidade judaica também pertencia a um grupo através do qual acabei por
fazer um dos primeiros cursos sobre análise transaccional, no qual, aliás,
acabei por conhecer Rosa Kraus, que passou a ser uma grande amiga minha. Ela
formou-se como analista transaccional, em que eu também acabaria por me tornar
e durante sete anos trabalhámos juntas.
Todos os anos íamos ao Congresso da International Transactional Analisys
Association e passeámos muito pelos Estados Unidos. Entretanto, em 1981,
consegui trazê-la a Portugal, onde demos alguns cursos, sobretudo para bancos.
Quando regressei definitivamente a Portugal, já tinha os meus clientes e foi
nesta área que acabei por trabalhar até me reformar, o que aconteceu no
passado dia 31 de Dezembro. Nos últimos tempos, a maior parte dos cursos que
eu dei foi em Hospitais, sobretudo para enfermeiras.
P: Como foi a sua integração na vida judaica de São Paulo?
No Brasil, eu pertencia a uma organização chamada “Shalom”, que reunia pessoas
de origem sobretudo alemã. Todos as sextas feiras reuníamo-nos numa sala e
cantávamos e celebrávamos Shabat. O meu filho Luís fez a sua Bar Mitzvah em
São Paulo, numa festa muito bonita, inesquecível para muitos!
Entretanto, acabei por ser aliciada a trabalhar com a Liga Feminina Israelita
do Brasil, um movimento que pertencia ao International Council of Jewish Women,
uma organização que junta cerca de um milhão de mulheres e que tem mesmo
assento na ONU. Acabei por ser eu a representar muitas vezes a Liga nos
congressos internacionais e lembro-me ainda dos congressos do Uruguai do Rio
de Janeiro.
A Liga Feminina tinha diversas actividades e uma das suas iniciativas era uma
Oficina de Trabalho para pessoas excepcionais, quer a nível físico quer
mental. Neste âmbito tínhamos uma fábrica, onde os trabalhadores prestavam o
seu serviço em mesas corridas e onde estava sempre presente uma terapeuta do
trabalho. As voluntárias da Liga davam todo o seu apoio e havia escalas de
trabalho organizadas para toda a semana.
Na altura acabei por escrever para revistas regionais, procurando fazer ver
aos donos das empresas o bom que seria recrutar estes trabalhadores que já há
três ou quatro anos trabalhavam. Muitos acabaram mesmo por ser recrutados.
Tínhamos também uma Fitoteca, onde pessoas com boa dicção liam um livro e
gravavam cassetes, permitindo depois às pessoas cegas requerer essas cassetes
e ouvir as histórias.
Outra das nossas actividades era o Bazar das Vantagens, que funcionava como
uma forma de angariar dinheiro. Arranjámos uma casa velha num bairro operário
e vendíamos roupa antiga e que já não usávamos. Era muito engraçado porque as
senhoras que vendiam a roupa sentiam aquele negócio como se tratasse da sua
própria loja, ficando deprimidas se numa semana vendiam menos que na anterior.
Elas tinham um jeito enorme para vender!
P: Como foi o regresso a Portugal?
Quando cheguei a Portugal, cheguei muito entusiasmada e cheia de vontade de
desenvolver vários projectos e mesmo de inscrever Lisboa no International
Council of Jewish Women. As coisas, no entanto, não correram assim tão bem e
aos poucos fui perdendo um pouco do interesse.
Apesar disso, em termos judaicos, sempre mantive a comemoração das festas em
família, altura em que cozinho todos os pratos típicos ashkenazim.
E quanto a Israel, confesso que nunca pensei que me emocionaria tanto quando
lá fosse. Quando comemorei vinte e cinco anos de casamento fui lá pela
primeira vez e quando o avião estava a chegar, lembro-me que chorei...
P: Foi recentemente eleita Presidente do Somech Nophlim. Quais são as suas
prioridades no relançamento deste projecto?
Em termos de projectos a concretizar, gostaria que conseguíssemos visitar as
pessoas que estão em instituições e que precisam de um pouco de apoio, alguma
companhia e um bom bolinho.
O meu grande sonho, no entanto, é conseguir arranjar uma casa que funcione
como um lar para as pessoas mais idosas da Comunidade; aliás, mais que um lar,
que funcione como uma casa nossa, onde as pessoas mais velhas possam estar
todas juntas e fazer as suas comidas e comemorar as nossas festas.
Tenho ainda uma outra ideia, que é a de alargar as nossas actividades à
comunidade em nosso redor, não as restringindo à comunidade judaica. Mas isso
logo se verá...
Para isto, no entanto, é essencial conseguir obter dinheiro, nomeadamente
apurando quem são realmente os sócios do Somech Nophlim, tentanto regularizar,
na medida do possível, as contas e procurando aliciar novos sócios. Depois, é
preciso definir o nosso local de encontro, os dias das nossas reuniões,
delegar tarefas e estimular a contribuição de todos!
P: Como espera que seja a relação entre o Somech Nophlim e a CIL?
Eu penso que a CIL tem, neste momento, uma bela Direcção e o que terá que ser
feito é uma delegação de certo tipo de trabalhos no Somech Nophlim. Acho que
todas as questões que se relacionem com a ajuda aos mais pobres e às pessoas
carentes devem ficar a nosso cargo, ocupando-se a CIL de tudo o que tenha a
ver com as questões religiosas, o funcionamento da Sinagoga, a educação da
Juventude, entre outros temas.
Acho que devemos funcionar como um braço da CIL, um dos braços da CIL, para
que todos trabalhemos para o bem comum.
Entrevista conduzida por Diana Ettner