JERUSALÉM DO MEU CORAÇÃO

Elie Wiesel

Na qualidade de Judeu que vive nos Estados Unidos, durante muito tempo não me autorizei o direito de intervir nos debates internos do Estado de Israel. (...) Posso ter um pouco mais de simpatia por determinado político ou mesmo emitir uma certa reserva em relação a outro mas isto só a mim próprio diz respeito; não falo com ninguém sobre o assunto (...)

Mas acerca de Jerusalém as coisas passam-se de outra forma. O seu destino diz respeito não só aos israelitas, mas também a todos os Judeus da Diáspora da qual faço parte. O facto de não viver lá é secundário: Jerusalém vive em mim. Ela é o próprio fulcro do meu judaísmo e ocupa o centro do meu empenho e dos meus sonhos.

Para mim, Jerusalém está acima da política. Mencionada 600 vezes na Bíblia, serve de ponto de referência a toda a tradição judaica. Representa a nossa alma colectiva. É ela que une cada Judeu ao seu próximo. Nada é mais belo e nostálgico do que a oração que evoca o esplendor do seu passado e a lembrança prostrante e persistente da sua destruição.

Lembro-me da minha primeira estadia em Jerusalém: tive então a impressão de já lá ter estado. No entanto, de cada vez que a visito é sempre a primeira vez. O que experimento e aí vivo não sinto em qualquer outro lugar. Volto à casa dos meus antepassados; o Rei David e o Profeta Jeremias aguardam-me (...)

É absolutamente compreensível que os Muçulmanos desejem manter laços estreitos com esta cidade. Apesar de o seu nome não aparecer uma única vez no Corão, Jerusalém é a terceira cidade santa do Islão. Mas para os judeus ela é a primeira. Não apenas a primeira, mas a única.

Como poderemos esquecer que, entre 1948 e 1967, enquanto a Cidade Velha estava ocupada pela Jordânia, os Judeus não tinham acesso ao Muro Ocidental a despeito de um acordo assinado entre os dois governos? Nessa altura os Árabes que reclamavam um Estado Árabe nunca mencionaram Jerusalém (...)

Dizem-nos que as concessões sem precedentes que Israel fez, igualmente sobre Jerusalém, o eram por uma boa causa. Pela Paz. É um argumento de peso. A Paz é a mais nobre das aspirações, merece o sacrifício daquilo que nos é mais precioso. E com isto, estou de acordo.

Mas aplica-se a todas as circunstâncias? Poderemos sempre proclamar “a Paz a qualquer preço”? Transigir sobre territórios pode parecer, em determinadas condições, imperioso ou pelo menos oportuno. Mas transigir sobre a história é impossível (...)

Todavia… mesmo após todas as opções parecerem ter sido examinadas, a paz mantêm-se como o único espírito que temos em comum; a violência e a guerra encheram demasiados cemitérios de ambos os lados. Isto não pode continuar. A maioria dos Israelitas pensa como eu: os Palestinos devem ter o direito de viver livre e dignamente, sem receio nem vergonha. Cabe ao mundo assim como a Israel, tudo fazer para os ajudar sem que eles percam a face.

A situação dos Árabes Israelitas interessa-me particularmente. Como cidadãos do Estado de Israel, os seus direitos cívicos devem ser protegidos a qualquer preço.

Quanto a Jerusalém, não seria melhor resolver primeiro as questões em suspenso e deixar para mais tarde as decisões respeitantes à mais santa das cidades? Estou convencido que se deveria construir pontes humanas entre as duas comunidades, com visitas recíprocas de estudantes, professores, músicos, escritores, homens de negócios e jornalistas...

Talvez dentro de vinte anos, os filhos destas pessoas possam abordar a mais quente destas questões: Jerusalém. Talvez então compreendam porque razão a alma judaica transporta em si mesma, a ferida e o amor por uma cidade cujas chaves estão protegidas pela sua memória.

Extractos do Texto publicado em
2 de Junho de 2003

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