Rostos da CIL
Entrevista com Nathan Mucznik
conduzida
por Diana Ettner
(clique na fotografia para a ver em tamanho real)
P: Apesar de não viver em Lisboa há muitos anos, foi aqui que nasceu e
passou a sua infância. Como foram esses tempos e que recordações guarda da CIL
dessa altura?
Eu nasci em Lisboa, em 1930, na casa onde o meu avô, Samuel Mucznik, vivia.
A casa era na Rua Alexandre Herculano, n.º 65, na esquina com a Rua Rodrigo da
Fonseca. Passei a minha infância e juventude nesta cidade e ainda me lembro de
ir brincar com os meus amigos no Parque Eduardo VII. Frequentei a Escola
Israelita, no Conde Redondo, até ao dia em que a escola fechou e fui também
aluno do Liceu Pedro Nunes.
Tive uma educação judaica e marcadamente sionista, em muito influenciada
pelo Rabino Diesendruck, que estava na CIL nessa altura. Penso, aliás, que o
Rabino Diesendruck teve uma influência muito forte em toda a juventude daquela
época, tendo contribuído em muito para o desabrochar da vida judaica e do
sentimento sionista em Lisboa. Tínhamos regularmente actividades no andar de
cima da Sinagoga, que juntavam sempre entre vinte a trinta pessoas.
A CIL dessa altura tinha muita vida. Lembro-me bem dos tempos em que se
receberam os refugiados e recordo-me das senhoras da CIL a ajudarem a preparar
as Bar Mitzvot, Casamentos, Britot, etc., daqueles que tinham menos condições.
Foi também em Lisboa que conheci a minha mulher, Sonia, filha de David
Halpern (Z`L). Durante a II Guerra Mundial, o meu falecido sogro decidiu levar
toda a família para Cuba, onde se respirava um grande ambiente sionista.
Estavam lá muitos holandeses e belgas, existindo uma comunidade judaica muito
grande. Em Outubro de 1945, a Sonia voltou para Lisboa e foi então que a
conheci. Em Junho de 1952 casámos, tendo sido o Rabino Diesendruck a oficiar a
cerimónia. E foi também em Lisboa que tivemos os nossos quatro filhos: Dani,
Susi, Sílvia e Rafi. Eu tinha-me dedicado, a partir dos dezanove anos, ao
negócio de importação de pedras, actividade a que me dedico até hoje.
P: Acabou, no entanto, por partir para Israel. O que motivou essa
decisão?
Nós fomos para Israel em 1967, por razões de idealismo puro! Partimos logo
a seguir à Guerra dos Seis Dias terminar, em Julho. A nossa família, perante o
rebentar da guerra, achou que nós não iríamos, mas fomos mesmo! Tínhamos já
comprado um apartamento em Tel Aviv e para lá fomos. O meu irmão Isaac, que já
estava lá, veio-nos receber quando chegámos.
Os primeiros tempos foram, claro, um pouco difíceis, até porque, devido ao
negócio, eu viajava muito e estava ausente durante temporadas muito longas.
Tivemos também, obviamente, que aprender a língua. Mas adaptei-me bastante
bem, apesar da diferença entre a mentalidade europeia e israelita, e não me
arrependo nem um pouco de ter ido.
Para os meus filhos a adaptação foi mais difícil. Não existia qualquer tipo
de programa em Israel que ajudasse a adaptação das crianças ao novo país e
eles tiveram que entrar logo na escola, o que foi um grande choque. Ainda por
cima, saíam de um país como Portugal, onde a educação era muito disciplinada,
e chegavam a outro em que havia uma abertura enorme, falava-se alto e fazia-se
tudo. Foi uma diferença grande mas hoje estão todos completamente adaptados e
ainda vivem todos lá.
Quanto à minha mulher, que pintava, estudou História de Arte na
Universidade de Tel Aviv, e depois fez ainda o Mestrado e o Doutoramento.
Acabou por dar aulas naquela Universidade, o que continuou a fazer até há bem
pouco tempo.
P: Sabemos que esteve também na origem da actual Embaixada Portuguesa em
Israel. Como se deu todo esse processo?
A actual Embaixada de Portugal em Israel começou primeiro por ser um
Consulado Honorário. A Embaixadora de Israel em Portugal, Colette Avital,
estava a fazer bastante pressão no sentido da abertura do Consulado lá e
depois de algumas solicitações nesse sentido, acabei por aceitar o cargo de
Cônsul Honorário, na condição de em um ano ser nomeado um Embaixador. Até
então, o Embaixador de Portugal em Itália havia desempenhado também o cargo em
Israel, como Embaixador não residente. Quanto a todos os vistos e documentos
que fossem necessários, tinha que ser tudo pedido e emitido através da Grécia.
Quando aceitei o cargo, montou-se um escritório em Tel Aviv, onde a minha
cunhada Guila trabalhava. A minha filha Sílvia também ajudou bastante. Eu ia
lá sempre assinar os vistos e tratar de tudo o que fosse necessário e ao fim
de um ano, como combinado, veio o primeiro Embaixador de Portugal para Israel,
o Embaixador Quintela Paixão.
P: Entretanto, em 1991, rebentou a Guerra do Golfo. Como foram vividos
esses tempos e qual foi então o seu papel como Cônsul de Portugal em Israel?
Realmente, em Agosto de 1990 deu-se a invasão do Koweit e pouco depois
rebentou a Guerra do Golfo e, com ela, vieram os ataques de scuds e as ameaças
constantes.
Na altura, trabalhavam em Israel vários operários portugueses, que estavam
bastante desorientados com toda aquela conjuntura. As ameaças e os ataques
sucediam-se e todas as instruções que eram dadas eram-no em todas as línguas,
mas não português. Eles não sabiam o que fazer. Comecei, por isso, a organizar
a saída dos operários.
Lembro-me que num sábado à tarde me telefonou o Ministro dos Negócios
Estrangeiros de Portugal, João de Deus Pinheiro, que me disse que tínhamos que
evacuar logo aqueles portugueses, o que seria feito através do Cairo.
Convoquei os operários todos, organizei os autocarros e, no dia seguinte,
partiram.
Tive uma grande ajuda do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, que
facilitou a saída dos operários, apesar de estarem sem documentos. O
Embaixador de Portugal no Egipto foi também muito prestável, tendo enviado um
adido até à fronteira e recebido os operários. Correu tudo muito bem, e
naquele mesmo dia, à tarde, os operários já tinham chegado ao Cairo. A minha
mulher tinha ficado em casa, junto ao telefone, para falar com o Embaixador no
Cairo sempre que houvesse um problema.
Um avião da Força Aérea Portuguesa, vindo da Turquia, veio buscar os
operários e passado um ou dois dias já estavam todos em segurança em Lisboa.
Ainda me lembro de fazer uma comunicação ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros, na noite da evacuação, e de ler os nomes de todos os portugueses
que tinham partido para que as suas famílias fossem avisadas.
P: Por fim, e de forma inevitável, temos que falar do legado deixado
pelo seu sogro David Halpern (Z´Ll).
O meu sogro havia prometido ao Dr. Ruah que quando a CIL encontrasse um
Rabino ou um Madrich, ele financiaria o seu salário. Em testamento, acabou por
deixar à CIL uma quantia que ronda os 18.200 dólares por ano, para ser gasta
com esse fim, dinheiro esse que foi já depositado. Este legado é, sem dúvida,
um testemunho da preocupação do Sr. Halpern com a CIL, Comunidade pela qual
ele trabalhou tanto. Tendo chegado a Portugal em 1928, foi Presidente do
Hehaver e, depois, do Centro Israelita, tendo tido uma participação muito
grande na vida da CIL. Este legado é a demonstração disso mesmo e um claro
testemunho da importância que a CIL sempre teve na sua vida.