Rostos da CIL

Entrevista com Eng. Víctor Mark Seruya
Homenagem Especial no 90º Aniversário

Conduzida por Diana Ettner

P: Nasceu em Joanesburgo, na África do Sul, muito longe de Lisboa. Como se deu a ida dos seus pais para esse país?

Eu nasci em 1913 em Joanesburgo, na então República do Transvaal. O meu pai era cônsul de Portugal nessa cidade (apesar de a diplomacia não ser a profissão mais típica entre os membros de uma comunidade judaica...) e foi por essa razão que a minha família aí se encontrava quando eu nasci.
O meu pai, Salomon Seruya, nasceu em Sintra, tendo ido para a África do Sul ainda no século XIX. Viajou para lá ainda solteiro e em Novembro de 1912 a minha mãe, Sara Abecassis, foi ter com ele a Capetown, cidade em que se casaram. Aliás, em 1983, quando estive com o meu irmão na África do Sul, fomos visitar a Sinagoga onde os nossos pais se tinham casado. Conseguimos consultar o livro de registo de casamentos e dele constava, de facto, o casamento dos meus pais, no qual tinham participado como testemunhas a minha avó Helena, e o irmão da minha mãe, Fred Abecassis.
Guardo muito boas recordações dos tempos que vivemos na África do Sul. Tínhamos uma vida muito calma e agradável sendo o meu pai, aliás, uma pessoa muito conhecida na cidade. Ele tinha que olhar pelos milhares de portugueses que aí trabalhavam, sobretudo nas indústrias, onde, diga-se, desempenhavam um muito bom trabalho.
A vida judaica em Joanesburgo era muito rica e plena de actividades. De quem mais me recordo é de um homem muito inteligente, chamado Sammy Marks. De origem modesta, oriundo da Polónia, viveu na Europa até aos seus 18 - 20 anos, tendo resolvido emigrar para a África do Sul ainda no século XIX. Começou por fazer muitas coisas, desde actividades ligadas às empresas mineiras até à participação em diversas indústrias, e ganhou uma importância tal que o seu nome é recordado até hoje. Um dia foi inclusivamente chamado pelo Presidente da República do Transvaal, que queria demonstrar a sua gratidão e reconhecimento por aquele grande homem. Sammy Marks pediu então que fossem mandadas cunhar moedas de ouro das minas em que trabalhava. Assim foi feito, tendo sido fundidas barras de ouro para o efeito e mandadas cunhar as moedas na Casa da Moeda, em Pretória. Há algum tempo, a filha de Sammy Marks ofereceu-me uma destas moedas.

P: A sua família, no entanto, é de origem portuguesa.

A minha família é, realmente, maioritariamente de origem portuguesa. Eu nunca conheci nenhum dos meus avôs, só as minhas duas avós que eram, aliás, cunhadas. Do lado do meu pai, conheci a minha avó, Esther Abecassis, que casou com o meu avô, Mark Seruya. Deste lado paterno da minha família só a minha tia Mary Cook Seruya está ainda viva, com 91 anos. De origem inglesa, veio para Portugal no início da II Guerra Mundial, tendo sido pianista no Casino do Estoril. Finda a guerra, a minha tia não quis permanecer aqui, tendo voltado para Inglaterra; ela foi casada com o meu Tio Saul Seruya, irmão do meu pai. Do meu lado materno, a minha avó Helena Bensaúde nasceu em Ponta Delgada, nos Açores, tendo casado com o meu avô Issac Abecassis.

P: O regresso a Portugal deu-se em 1920. Foi aqui que acabou por construir a sua vida?

Eu voltei para Portugal com sete anos, em 1920. Os meus pais queriam que os seus filhos fossem aqui educados e por isso regressámos todos.
Fiz a admissão aos liceus com 9 anos e completei todo o curso dos liceus em Lisboa. Depois, pensei ir para o Instituto Superior Técnico de Lisboa ou então partir para Montreal, ou para a Alemanha ou Inglaterra. Acabei por ir para Londres, onde tirei o curso de Engenharia Electrotécnica no King’s College, tendo-me formado em 1936. Esses foram, sem dúvida, dos melhores anos da minha vida. A Inglaterra daquele tempo era melhor do que a de hoje e eu passei momentos muito bons por lá, apesar de não ter tido muito contacto com a comunidade judaica londrina. Depois, fui estagiar durante um ano para Birmingham, numa fábrica de contadores eléctricos.
Regressei definitivamente a Portugal em 1937, já engenheiro, tendo ido trabalhar para uma fábrica de agulhas da família Seruya, em Alcântara, chamada “Manufactura Portuguesa de Agulhas, Lda.”. Produziam-se aí agulhas de costura, molas para vestidos e muitos outros tipos de peças metálicas.
Fui sócio-gerente dessa fábrica até há poucos anos, tendo a mesma sido recentemente vendida. Acabei por formar, com mais três sócios, uma empresa, a “Sociedade Victor, Lda.”, que se dedica à comercialização de material eléctrico e de embalagem, entre outro equipamento.
Foi também em Portugal que cumpri o serviço militar. Primeiro, estive em Mafra, na Escola Prática de Infantaria, depois passei para a Escola Prática de Engenharia, em Tancos e finalmente fui para o Batalhão de Telegrafistas na Graça, em Lisboa.
Casei em 1948, na Bairrada, com Maria Amélia Seabra Menano. Tenho seis filhos, dos quais a mais velha, Teresa Maria, tem 53 anos e é professora catedrática.

P: Em Lisboa, frequentava a CIL? O que recorda dos anos em que esteve ligado à Comunidade?

Eu nunca frequentei muito a Comunidade mas recordo como um dos seus pilares de antigamente o Dr. Isaac Levy. Foi também na Sinagoga de Lisboa que fiz a minha Bar Mitzvah, quando aqui estava o Rabino Castell.
Recordo-me também muito bem dos milhares de refugiados que passaram por Lisboa, tendo aliás mantido contacto com alguns deles até hoje. A CIL teve, durante a II Guerra Mundial, um papel muito importante, colaborando decisivamente com a American Joint na questão dos refugiados.

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