História dos judeus em Portugal

                                      Massacre dos Judeus em Lisboa - 500 anos 
(1506 - 2006)

  

Fotografias de Emanuel Ben-Zion (excepto artigo do jornal Metro)

 

O MASSACRE DOS JUDEUS DE LISBOA

1) O Massacre dos Judeus/Cristãos-Novos de Lisboa teve na época um impacto considerável, o que é comprovado pelo grande número de cronistas principalmente da época ou próxima dela que o narra: Salomon Ibn Verga, um exilado judeu espanhol que foi aqui em Portugal apanhado pelas conversões forçadas e embora só tivesse chegado a Lisboa uns dias mais tarde é contemporâneo e testemunha indirecta; um visitante alemão anónimo, testemunha directa e envolvida directamente nos acontecimentos que deixou um testemunho extremamente detalhado; há as crónicas de Damião de Góis, de Jerónimo Osório, referências em Garcia de Resende, Samuel Usque no seu livro “Consolação às Tribos de Israel e mais tarde no séc. XIX Alexandre Herculano.

 2) A maioria dos cronistas concorda nalguns pontos importantes e que eu gostaria de salientar:

 - A extrema violência do massacre e de certa forma o seu carácter algo inédito em Portugal. Tinha havido alguns incidentes graves como em 1499 e outros, mas nada que se comparasse a esta matança generalizada: entre 2 a 4 mil mortos, assassinados em três ou quatro dias com requintes de malvadez tremendos – mulheres grávidas atiradas pelas janelas e aguardadas em baixo pelas lanças empunhadas; bebés estilhaçados contra os muros; violações; desmembramentos; autos de fé ....O Massacre parou por exaustão, mas também porque já havia pouco para matar, os sobreviventes tinham fugido, alguns com a ajuda de cristãos-velhos;

 - O papel decisivo e determinante dos frades dominicanos que instigaram e conduziram até ao final a turba enfurecida, no sentido de exterminar os cristãos-novos, inclusivamente opondo-se ao rei e ao poder temporal que foi claramente desafiado e contestado e que só conseguiu impor a ordem bastantes dias depois.  Quando digo exterminar, estou a medir as palavras, foi claramente uma tentativa de extermínio, embora localizada e centrada em Lisboa e arredores.

 - Embora alguns cronistas citem o Rossio e o cais, os testemunhos mais directos referem não só o Convento de S. Domingos como ponto de partida do massacre, mas também o Largo de S. Domingos como o local para onde convergiam todos os cadáveres, trazidos pelos malfeitores, onde eram empilhados e queimados; é por isso que ainda hoje esse é o lugar mais simbólico do massacre e onde propusemos à Câmara Municipal de Lisboa, a colocação de uma placa que lembre para a posteridade o sofrimento atroz dos judeus nesses dias;

 - a participação de marinheiros alemães, holandeses e franceses no massacre e no saque dos judeus, o que mostra que o ódio aos judeus era um fenómeno generalizado.

 3) Quais os motivos do massacre? Mais uma vez, os judeus foram o bode expiatório de uma determinada situação de seca, fome e peste; alguns historiadores apontam o papel, odiado pelo povo, de colectores de impostos de que os cristãos-novos eram incumbidos pelo rei, tal como o eram quando judeus; o fanatismo religioso, como já vimos é outra causa decisiva.

Para além destes, em minha opinião, há dois factores que foram decisivos: o primeiro é conjuntural, o segundo marcou todas as perseguições judaicas ao longo de dois mil anos.

As conversões forçadas é o primeiro. A conversão, voluntária ou forçada foi a forma encontrada por D. Manuel para manter os judeus em Portugal porque precisava deles. Não os podia manter como judeus, tentou mantê-los como cristãos, acreditando que com uma política de integração os conseguia assimilar e diluir na sociedade portuguesa. Enganou-se duas vezes: em primeiro lugar, porque subestimou a fé religiosa judaica que se manteve acesa e não podendo ser às claras tornou-se secreta; em segundo lugar porque o ódio que o povo tinha aos judeus, em vez de diminuir foi exacerbado: antes os judeus eram um corpo bem identificado, submetido a regras e leis rigorosas, apartado. Agora depois da conversão estava inserido, disseminado na sociedade portuguesa, invisível e por isso muito mais perigoso. Aliás, só o rei acreditou na conversão e na assimilação, o povo nunca.

 O segundo factor que explica o Massacre, embora não sendo específico dele, é a vulnerabilidade judaica ao longo dos dois mil anos de diáspora. Sem reinos, sem exércitos, sem poder, os judeus foram ao longo da história uma presa fácil Aliás, é o próprio Damião de Góis que na Crónica de D. Manuel explica assim que tenham sido os filhos dos judeus a serem retirados aos pais par a conversão forçada e não os filhos dos mouros. Diz ele “A razão pela qual el-Rei ordenou que levassem os filhos dos judeus e não os filhos dos Mouros era que os judeus, pelos seus pecados, não tinham reinos, nem domínios, nem cidades, nem aldeias, mas são – em todas as partes em que vivem – peregrinos e súbditos, desprovidos de poder e de autoridade para executar os seus desejos contra as ofensas e os males exercidos sobre eles ...”

Muito mais tarde, 500 anos depois, os judeus souberam tirar a lição desta realidade ...

 4)  O Massacre é a consequência da falência da política pérfida de D. Manuel: as conversões forçadas foram uma tentativa de manter cá os judeus, mas como cristãos; considerava que bastava umas gotas de água baptismal e uma política de integração para que os judeus se deixassem integrar. Não foi isso o que aconteceu, como vimos e o próprio rei deu-se conta disso em primeiro lugar permitindo por decreto de 1507, a saída de Portugal dos cristãos-novos. Mas a quem ainda tivesse alguma ilusão sobre a estima que o rei D. Manuel tivesse em relação aos judeus nunca é demais lembrar que face ao fracasso da sua política, ele não hesitou em confiar ao seu embaixador em Roma a missão secreta de pedir ao Papa, em 1515, a permissão de estabelecer a Inquisição em Portugal. Ou seja se não ia a bem, talvez fosse a mal...Não foi!

No entanto, a política de D. Manuel teve um impacto considerável que dura até aos nossos dias: o cripto-judaísmo, o marranismo é um fenómeno essencialmente português e até hoje, 500 anos depois, se fazem sentir as consequências da presença do marranismo na sociedade portuguesa.

  5) Finalmente, e para terminar, é evidente que temos de analisar o Massacre também com os olhos de ontem, da época, em que a questão da religião era absolutamente dominante, a força da Igreja absoluta, e a diabolização dos judeus um facto. No entanto, o Massacre de Lisboa, não deixa de ser um terrível exemplo de até onde pode levar o fanatismo, a intolerância e o ódio religioso. Afinal, o Massacre de Lisboa, tão distante, é infelizmente ainda tão actual...

                                                                                                  Esther Mucznik

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Portugal Diário

Judeus assinalam 500 anos do massacre de Lisboa

2006/04/19 | 21:51

Em três dias, morreram entre dois mil e quatro mil judeus

 

Uma oração hebraica e algumas velas acesas junto a uma oliveira marcaram hoje a evocação dos 500 anos do massacre de milhares de judeus em Lisboa, em que participaram algumas dezenas de membros da comunidade judaica.

No largo de São Domingos, vários judeus, alguns usando o tradicional «kippah» na cabeça, juntaram-se em oração lembrando o «pogrom», o massacre que começou na igreja que ali se encontra, seguindo um apelo lançado pelo blog Rua da Judiaria.

Um dos membros da comunidade, o jornalista Ruben Obadia, disse à agência Lusa que se tratou de um «movimento espontâneo» destinado a lembrar os «três dias em que morreram entre dois mil e quatro mil judeus» em Lisboa, um «pedaço de vergonha esquecida que não está nos livros de História».

O massacre terá começado no Mosteiro de São Domingos, quando os frades, acusando os cristãos-novos de heresia, provocaram uma onda de massacres e saques às casas dos cristãos-novos, numa altura em que Lisboa estava afectada pela peste.

Segundo a crónica de Damião de Góis, «mais de mil e novecentas criaturas» morreram ao cabo de três dias de «tamanha crueldade» que tomou conta da cidade e à qual nem escaparam pessoas que não eram cristãos-novos, falsamente acusados por «portugueses encarniçados neste tão feio e inumano negócio».

«Portugal perdeu nessa altura a sua elite financeira e cultural», disse Ruben Obadia à agência Lusa, criticando a falta deste episódio nos currículos escolares e a falta de um monumento evocativo do massacre.

«Ser judeu tem muito de memória», afirmou, acrescentando que se se lembra a Shoa (o holocausto durante a Segunda Guerra Mundial), não há razão para não se lembrar o «pogrom» de 1506.

Alguns membros da comunidade não gostaram da presença da comunicação social, tentando evitar o registo de imagens, tendo Ruben Obadia explicado a reacção alegando que a comunidade «ainda é fechada».

Além disso, este é um dia sagrado para os judeus, que assinalam nesta altura do ano o «Pesach», a passagem dos povos de Israel através do Egipto, escapando à escravidão e dirigindo-se para a terra prometida.

O blogue Rua da Judiaria, do jornalista Nuno Guerreiro, apelava a que se acendessem velas, mas poucos foram os que o fizeram.

Segundo Ruben Obadia, o acto de acender uma vela está associado à homenagem aos mortos na religião judaica, mas diferentes graus de ortodoxia fazem com que nem todos aceitem esta prática num dia sagrado, em que os praticantes da religião judaica estão impedidos de trabalhar.

Além dos membros da comunidade judaica, participaram na concentração o líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, o ex- provedor de Justiça Meneres Pimentel, o actor João Lagarto e o jornalista José Manuel Fernandes

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CORREIO DA MANHà
2006-04-19 - 00:00:00

 

Rossio: Homenagem aos judeus vítimas do 'Pogrom' de 1506

Velas avivam memória

 

Um dos episódios mais negros da História de Portugal que corria o risco de cair no esquecimento.” É desta forma que Nuno Guerreiro, jornalista português de origem judaica a viver nos Estados Unidos, resume ao CM a inquietação que o fez lançar um apelo na internet: “No dia 19 de Abril vão à Baixa de Lisboa e no Rossio acendam uma vela simbólica por cada uma das vítimas.

 

Quatro mil velas que iluminem a memória.”, lê-se no seu sítio http://ruadajudiaria.com.

Reza a história que entre os dias 19 e 21 de Abril de 1506, quatro mil judeus foram perseguidos, mutilados e queimados vivos na capital, o chamado ‘pogrom’ de Lisboa. À evocação dos 500 anos do massacre junta-se a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL), mas apenas em oração. Será recitada a Kadish e Izkor, prece judaica em memória dos mortos.

“Vamos fazer uma oração para evocar a memória das vítimas. No judaísmo não é preciso acender velas para o fazer, o fundamental é estar presente”, explica Esther Mucznik, vice-presidente da CIL. A justificação é simples: amanhã, fim da Páscoa judaica e dia sagrado para a comunidade, “não podemos acender velas ou provocar nada que produza energia”.

Apesar de o momento ser histórico, nem Governo nem autarquia prepararam iniciativas para assinalar a data.

SEM POMPA OU CIRCUNSTÂNCIA

Para Nuno Guerreiro, “há uma notória discrepância entre outras efemérides que foram assinala

das de forma oficial e o massacre de 1506”. Entre eles, contam-se “os 500 anos da descoberta do Brasil e os 250 anos do terramoto de Lisboa”.

A indiferença das instituições não surpreende Esther Mucznik. “Nenhum país aborda de forma fácil as fases negras da sua História e Portugal não escapa a isso. Entristece-me, mas não me admira.” A vice-presidente está, contudo, convicta de que a câmara de Lisboa vai aprovar um memorial às vítimas no Largo de São Domingos.

TRÊS DIAS DE SANGUE E MORTE

Damião de Góis, Garcia de Resende e Alexandre Herculano foram algumas das vozes que relataram o massacre de quatro mil judeus, em 1506. Na Igreja de São Domingos, na Baixa lisboeta, alguém gritou ter visto o rosto de Cristo iluminar-se no altar. A fé cegou os populares, que rejeitaram a explicação, dada por um judeu convertido, de que era um reflexo do sol. O ‘blasfemo’ foi arrastado, com o irmão, até ao Rossio, onde ambos foram espancados até à morte. Seguiram-se três dias de perseguições, violações e morte. As vítimas foram homens, mulheres e crianças, todos judeus. Frades dominicanos terão incitado a populaça que repetiu à exaustão: “Morte aos Judeus, morte aos hereges!”

COMUNIDADE ISRAELITA

'FANATISMO E INTOLERÂNCIA' (Joshua Ruah, ex-presidente)

“É uma história de repetição. Infelizmente passaram 500 anos mas continua a haver fanatismo e intolerância. A história andou, a tecnologia avançou mas o Homem ficou parado. Factos históricos como o do massacre devem ser lembrados para que não se voltem a repetir no futuro.”

'NÃO QUEREMOS VINGANÇA' (Esther Mucznik, Vice-presidente)

“Os 500 anos do massacre no Rossio é uma data simbólica. Não se trata de uma comemoração da comunidade israelita, deve ser entendida como uma evocação de todas as pessoas da cidade de Lisboa. Além disso, é feita num clima de tolerância e reconciliação. Não queremos transmitir um espírito de vingança”.

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SIC ON LINE 
 

Publicação: 19-04-2006 09:41    |   Última actualização: 19-04-2006 21:14

Arquivo SIC

No Rossio, vão ser acendidas quatro mil velas para assinalar a data

 

 

Massacre relembrado em Lisboa

 

Há 500 anos, quatro mil judeus foram mortos na capital

 

 

 

 

 

Passam hoje 500 anos sobre um dos episódios mais trágicos da História de Portugal: quatro mil judeus foram mortos num banho de sangue sem precedentes, justificado pela Semana Santa e pela perseguição feita pelos cristãos. A data é assinalada com a inauguração de um memorial no Largo de São Domingos, um dos palcos principais da tragédia. Ao mesmo tempo, no Rossio quatro mil velas vão avivar a memória.

 

Eram judeus convertidos ao cristianismo. Mas a conversão não os livrou da morte certa.

Na Semana Santa de 1506, e no decurso de três jornadas sanguinárias, mais de quatro mil foram assassinados.

Uma multidão enraivecida, apoiada pelas marinhas alemã, holandesa e francesa, massacraram homens, mulheres e crianças nas ruas da capital.

À época, corria o boato de que quem matasse um judeu, veria esquecidos os pecados de cem dias.

O massacre de Lisboa veio na sequência da expulsão dos

judeus da vizinha Espanha. Aí, apenas o exílio surgia como alternativa a uma conversão ao Cristianismo.

Muitos encontraram então refúgio em Portugal, onde o Rei D. Manuel mostrava atitude mais tolerante para com o judaísmo.

Mas sob a pressão de Espanha, também em Portugal os judeus foram forçados a converter-se. A Inquisição seguia de perto a vida destes cristãos à força, pois acreditava-se que viviam a culto judaico em segredo. Condenados por heresia, centenas foram queimados vivos em Autos de fé nos séculos 16 e 17.

 

Com o exemplo do Clero, foi ganhando força na sociedade portuguesa o anti-semitismo, e aconteceu o massacre de Lisboa.
A matança caiu no esquecimento e são poucos os historiadores que lhe fazem referência.

Quinhentos anos depois, a memória é reavivada.

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 PÚBLICO

i

 

 

 

 

 

 

 

In Charles Dellon, "Relation de l inquisition de Goa" 

Homenagem
 

Massacre dos judeus é hoje recordado em Lisboa 
19.04.2006 - 10h33   

O massacre que, faz hoje 500 anos, vitimou entre dois mil a quatro mil judeus na cidade de Lisboa é hoje recordado no Largo de São Domingos, local onde a violência começou.

A Comunidade Judaica de Lisboa aderiu à iniciativa proposta no blogue Rua da Judiaria (http://ruadajudiaria.com), do jornalista Nuno Guerreiro, no sentido de os interessados se deslocarem à Baixa lisboeta para acender uma vela em memória das vítimas do massacre, que se estendeu durante três dias.

A Comunidade Judaica decidiu mobilizar os seus membros para que, às 19h00 de hoje, se concentrem no largo. Nessa altura, serão rezadas as orações de kadish e izkor.

A comunidade não apela, no entanto, a que os judeus presentes acendam velas, já que está a terminar a celebração da Páscoa, durante a qual os crentes devem evitar tudo o que implique energia e trabalho.

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DIÁRIO DE NOTÍCIAS

20.04.06

 

   
 

500 anos para lembrar e pedir perdão
 
 
"Sejamos honestos... Há alguém que goste de judeus?" A frase não é de um dos frades dominicanos que terão incitado as gentes lisboetas ao massacre de 4 mil cristãos-novos, em 1506, durante a "semana santa". Não tem cinco séculos, nem sequer um: é de há dias, escrita na Internet como comentário anónimo à iniciativa de Nuno Guerreiro Josué, que no seu blogue ruadajudiaria.blogspot.com propôs o assinalar da data com uma vigília no Rossio.

Mas às sete da tarde, hora para a qual a comunidade israelita de Lisboa marcou a leitura de uma oração aos mortos, as pessoas reunidas no Largo de São Domingos, junto à igreja de mesmo nome onde terá tido início o massacre, não chegam à centena, contando com vários membros da comunidade israelita, identificáveis, no caso dos homens, pelo uso da kippah (solidéu).

Entre os "não judeus" - seja lá isso o que for -, alguns rostos conhecidos. O presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, Menéres Pimentel, o actor João Lagarto, o padre Peter Stilwell (que veio em representação oficial do patriarcado) o director do Público, a filósofa e escritora Maria Filomena Molder. "Porque é que as pessoas não vêm? Não vou opinar sobre isso", responde a última, que, com uma amiga, veio para que "a nossa memória não seja um saco roto". Mas admite: "Há uma certa indiferença. Isto está ligado à supressão da memória, que é um problema muito português."

Numa cidade em que, como frisa Esther Mucznik, a presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, não existe um único marco público relacionado com a perseguição dos judeus (a CIL fez uma proposta nesse sentido, a aguardar despacho), a memória dos crimes contra aqueles que chegaram, no século XV, a ser 10% da população e são hoje, no País todo, menos de três mil não convocou sequer uma figura de proa da Câmara de Lisboa. Falta assinalada por Abílio Galinha, que, de kippah, se diz "em processo de conversão ao judaísmo": "Lamento muito que o presidente da câmara tenha preferido a inauguração de um casino."

Entre o pavilhão do futuro e a assunção de um passado doloroso, muitos mais não hesitaram. Da chamada "classe política", só o BE teve presença visível: três deputados, incluindo Francisco Louçã, que vieram "fazer um encontro com a História". Um encontro que até ao momento não mereceu, no Parlamento, qualquer menção. "Vamos talvez propor um voto, mas não tínhamos pensado nisso", adianta Louçã.

Foi por "medo do esquecimento", "desencadeado pela percepção de que a data iria passar completamente despercebida", que Nuno Guerreiro, a viver em Nova Iorque, propôs a homenagem. O objectivo foi em parte atingido. Mas o seu pedido de 4 mil velas acesas no Rossio, uma por cada judeu massacrado pela turba, não deverá ser atendido. Esta tragédia, ao contrário das de novela, dá, como diz Filomena Molder, que pensar. E 500 anos talvez não tenham chegado para a digerir.

 

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Members of Portugal's Jewish community said prayers in a downtown Lisbonsquare Wednesday to mark the 500th anniversary of a massacre of thousands of Jews in the Portuguese capital's streets.
 

Chronicles from the time recount that at least 2,000 Jews were butchered
and burnt alive when Catholic crowds, incited by a small group of priests,
ran amok for three days in 1506. The violence was said to have broken out
after a local Jew questioned the validity of a supposed miracle.

Lisbon at the time was gripped by hunger amid a prolonged drought and was threatened by an outbreak of the plague. Locals, encouraged by the
Inquisition, sought divine help.

 About 50 members of Lisbon's Jewish community, estimated to number around 1,000, gathered on Wednesday at dusk in a square next to the Maria II National Theater, which was built on the site of an old Inquisition court.

Participants declined to speak to reporters, citing a religious
prohibition.

Portugal's King Manuel I forced all Jews in his country to convert to
Catholicism in 1496.

 Some fled, but those who stayed were subjected to humiliating public
baptisms. They were designated "New Christians" or "Marranos," Iberian slang for pigs. Even then, they remained at risk from religious persecution and lived in designated Jewish quarters.
 

 In 1988, Portugal's then-president Mario Soares formally apologized to
Jews for the persecution.

 

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ESTADÃO - SÃO PAULO - BRASIL

19 de abril de 2006 - 20:33
Blogueiro português convoca homenagem a judeus e é criticado

Jornalista convocou o ato ´Uma vela no Rossio´ para relembrar a morte de 4 mil judeus durante o pogrom de 1506
André Mascarenhas
SÃO PAULO - Um massacre ocorrido há exatos 500 anos esquentou a blogosfera portuguesa nos últimos dias. Tudo porque o jornalista Nuno Guerreiro, dono do blog Rua da Judiaria propôs, há alguns dias, a realização de um ato em memória dos cerca de 4 mil judeus mortos durante os dias 19, 20 e 21 de abril de 1506, num evento que é considerado o primeiro pogrom judaico da era moderna. O termo pogrom é utilizado para descrever atos violentos contra minorias étnicas.

Guerreiro lançou a idéia de que 4 mil velas fossem acessas no Rossio e na Baixa de Lisboa - locais em que os corpos das vítimas foram lançados em fogueiras - em memória aos mortos. O que ele não esperava, no entanto, era que sua proposta, que ficou conhecida pelo nome de "Uma vela no Rossio", repercutiria por quase toda a blogosfera portuguesa.

Pelo menos é o que se pode concluir de uma dos últimos textos publicados pelo jornalista. "Quando pedi aos meus leitores que fossem ao Rossio para lembrar simbolicamente as quatro mil vítimas do massacre (...) - de forma absolutamente voluntária e desprovida de uma qualquer estrutura ou "organização" - nunca imaginei que poderia ser intimado a explicar-me e a expor as razões subjacentes a tal iniciativa", escreveu.

Muitos blogueiros gostaram da idéia e apoiaram Guerreiro. Outros, no entanto, contestaram a iniciativa. É o caso, por exemplo, do blogueiro Miguel Silva, que em seu Tempo dos Assassinos dá quatro razões para que os lisboeses não atendam ao apelo de Guerreiro. Em um de seus posts, ele argumenta: "Em 1506 foram mortos milhares de judeus em Lisboa, o que é um fato iniludível. Mas esse fato deve ser enquadrado no contexto social da época. As mortes que se registraram em Lisboa há 500 anos não resultaram da pura maldade. Corresponderam a quadros mentais, sociais e culturais devidamente inscritos nessa época histórica."

Massacre

O fato a que Miguel Silva se refere, retratado com riquezas de detalhes por Richard Zimler no romance histórico O último cabalista de Lisboa, foi um dos primeiros episódios de ódio e violência contra o povo judeu na Europa. Segundo os principais relatos da época, registrados pelos cronistas Damião de Góis e Samuel Usque, os ataques foram iniciados depois que um cristão novo (judeu convertido) contestou uma visão que para muitos só poderia ser um milagre.

No dia 19 de abril de 1506, um domingo, quando os fiéis rezavam pelo fim da seca e da peste que tomavam Portugal, alguém jurou ter visto no altar o rosto de Cristo iluminado - fenômeno que, para os católicos presentes, só poderia ser interpretado como uma mensagem de misericórdia do Messias. Não foi o que pensou um judeu convertido que também participava da missa. Ele tentou explicar que a luz era apenas o reflexo do sol, mas foi calado pela multidão, que o espancou até a morte. A partir daí, três dias de massacre se sucederam, incitados por frades dominicanos que prometiam absolvição dos pecados dos últimos 100 dias para quem matasse os "hereges".

Resposta

Em resposta às críticas que tem recebido, Guerreiro utiliza o trecho de um livro do prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel. "Se existe um único tema que domina todos os meus escritos, todas as minhas obsessões, é a memória - porque tenho tanto medo do esquecimento quando do ódio ou da morte."

Guerreiro argumenta que o objetivo de seu chamado foi exatamente evocar a memória do acontecimento. Segundo ele, muitos fatos históricos são lembrados pelos portugueses, como o descobrimento do Brasil e o terremoto que assolou Lisboa em 1755, mas nenhum artigo de jornal ou programa televisivo dedicou-se ao massacre ocorrido em 1506. Por isso, usou a internet para divulgar sua iniciativa.

E ele completa: "No judaísmo, o aniversário da morte de alguém é recordado anualmente acendendo uma vela em sua memória - em hebraico, a palavra ór significa simultaneamente luz e chama e, de forma metafórica, também conhecimento e memória."

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PÚBLICO

1.5.06

Como um massacre e a Inquisição levaram à diáspora dos judeus portugueses

António Marujo
 
Debate sobre 500 anos
da matança de cristãos-novos
em Lisboa

No início do século XVII havia uma grande diáspora portuguesa, em vários pontos da Europa, constituída em grande parte por comunidades judaicas. As causas imediatas eram o massacre de Lisboa de Abril de 1506 - sobre o qual se completaram há dias 500 anos - e o estabelecimento da Inquisição, em 1536. A ideia foi explicitada pelo historiador israelita Yosef Kaplan, da Universidade Hebraica de Jerusalém, durante um debate a propósito dos cinco séculos da matança.
No salão de um hotel de Lisboa completamente apinhado, com perto de três centenas de pessoas, o historiador e ex-presidente da Sociedade Histórica de Israel falou, sábado à noite, sobre as tribulações do exílio da diáspora judaico-portuguesa. O debate, promovido pela Associação Portuguesa de Estudos Judaicos, contou ainda com a participação de Elvira Mea, da Universidade do Porto, e do escritor Richard Zimler, autor de O Último Cabalista de Lisboa, obra que descreve também o massacre de 1506.
Kaplan começou por ler um excerto de um livro do qual existe um único exemplar, guardado na sinagoga portuguesa de Amesterdão. Escrito por um rabino italiano, mas que se tinha inculturado profundamente entre os sefarditas portugueses, Obstruções e Oposições Contra a Religião Cristã em Amesterdão conta, entre outras coisas, o encontro de dois judeus portugueses em França. Um deles fugira à Inquisição, que tornara a "pátria madrasta", o outro vinha de Roma, onde fora tentar ser padre jesuíta, obtendo a limpeza de sangue - o que em Portugal seria impossível, tendo em conta a sua origem judaica.
O caso deste judeu que queria entrar para a Companhia de Jesus não era único. Kaplan referia, no colóquio de sábado, que "a grande maioria dos judeus conversos espanhóis do século XVII, era de origem portuguesa". O próprio autor de Obstruções... recebera uma pergunta de alguém que pedia uma intervenção a favor de judeus conversos que queriam entrar em ordens religiosas.
Estes judeus portugueses - espalhados por zonas tão diferenciadas quanto Amesterdão, Espanha, França, Livorno e Veneza (Itália) ou Esmirna (Turquia) - tinham todas as características do que hoje se poderia designar como um grupo étnico. Desde logo, a começar pela singularização de um nome e de uma origem: o Sefarad medieval, o "final do poente" ou "extremo do mundo" não se limitava ao território do que viria a ser Espanha, mas incluía Portugal.

A memória histórica da diáspora
judaico-portuguesa
A diáspora judaico-portuguesa tinha também uma memória histórica: já em 1140, quando D. Afonso Henriques conquista Santarém, havia na cidade uma importante comunidade judaica com sinagoga, recorda Kaplan. E nas invectivas das batalhas contra os muçulmanos, os portugueses tomavam-se como os descendentes dos macabeus, os últimos resistentes judeus à ocupação, antes do nascimento de Cristo, referidos na Bíblia.
"Em alguns casos, textos que falavam da diáspora e do massacre [de Lisboa] tornavam-se textos canónicos" para as comunidades judaico-portuguesas, cuja leitura era recomendada às mais novas gerações como forma de apreenderem a sua origem, lembra Kaplan. Tratava-se de "uma história comum" que dava "a razão de ser desta diáspora", resumiu o investigador do judaísmo português.
Estes cidadãos forçados ao exílio por causa da sua fé religiosa converteram-se ainda, disse Kaplan, nos "maiores embaixadores da língua portuguesa nos séculos XVII e XVIII". "O português converteu-se na língua franca da diáspora portuguesa" e, mesmo não podendo vir a Portugal, os judeus portugueses mantinham o vínculo à sua pátria e ansiavam por essa possibilidade.

 

 

 

Mais notícias :

 

 

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Não perca também o artigo: "Judeus em Portugal: Presença e Memória", de Esther Mucznik, publicado na revista História, nº15, em 1999..

Veja também a referência à visita do Lubavitcher Rebbe a Lisboa.

Veja ainda um excelente artigo sobre a presença dos judeus em Portugal até à inquisição.

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